quinta-feira, 25 de novembro de 2010
sábado, 6 de novembro de 2010
Patativa do Assaré
Cante lá, que eu canto cá
Poeta, cantô de rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.
Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.
Você teve inducação,
Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.
Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Tê armoço de fejão
E a janta de mucunzá,
Vivê pobre, sem dinhêro,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.
Você é muito ditoso,
Sabe lê, sabe escrevê,
Pois vá cantando o seu gozo,
Que eu canto meu padecê.
Inquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divera,
Precisa tê sofrimento.
Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.
Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,
Moiadinho de suó.
Amigo, não tenha quêxa,
Veja que eu tenho razão
Em lhe dizê que não mêxa
Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega
De quá manêra se pega
Num ferro pra trabaiá,
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.
Repare que a minha vida
É deferente da sua.
A sua rima pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente,
Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obra da criação.
Mas porém, eu não invejo
O grande tesôro seu,
Os livro do seu colejo,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima compreta,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô.
Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.
Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se as vêz andando no vale
Atrás de curá meus male
Quero repará pra serra
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um divule de rima
Caindo inriba da terra.
Mas tudo é rima rastêra
De fruita de jatobá,
De fôia de gamelêra
E fulô de trapiá,
De canto de passarinho
E da poêra do caminho,
Quando a ventania vem,
Pois você já tá ciente:
Nossa vida é deferente
E nosso verso também.
Repare que deferença
Iziste na vida nossa:
Inquanto eu tô na sentença,
Trabaiando em minha roça,
Você lá no seu descanso,
Fuma o seu cigarro mando,
Bem perfumado e sadio;
Já eu, aqui tive a sorte
De fumá cigarro forte
Feito de paia de mio.
Você, vaidoso e facêro,
Toda vez que qué fumá,
Tira do bôrso um isquêro
Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso,
Puxo por meu artifiço
Arranjado por aqui,
Feito de chifre de gado,
Cheio de argodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.
Sua vida é divirtida
E a minha é grande pená.
Só numa parte de vida
Nóis dois samo bem iguá:
É no dereito sagrado,
Por Jesus abençoado
Pra consolá nosso pranto,
Conheço e não me confundo
Da coisa mió do mundo
Nóis goza do mesmo tanto.
Eu não posso lhe invejá
Nem você invejá eu,
O que Deus lhe deu por lá,
Aqui Deus também me deu.
Pois minha boa muié,
Me estima com munta fé,
Me abraça, beja e qué bem
E ninguém pode negá
Que das coisa naturá
Tem ela o que a sua tem.
Aqui findo esta verdade
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio,
Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá.
Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.
Patativa de Assaré/Antônio Gonçalves da Silva Do livro: "Cante lá, que Eu Canto cá", Ed. Vozes, 1978, RJ
sábado, 23 de outubro de 2010
Bolinhagate
http://www.youtube.com/watch?v=wYkrjjTkjdk&feature=player_embedded
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Pai é quem cria
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
terça-feira, 12 de outubro de 2010
quarta-feira, 17 de março de 2010
Tiger Woods e o Vício do Sexo
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
domingo, 24 de janeiro de 2010
O que é a Princesa Paola de Orleans e Bragança anunciando uma Coleção “Real” de copos de cristal na compra da Revista Caras?
Cheguei a ficar na dúvida. Faço a genuflexão para reverenciar Sua Alteza?
E por que “Real”, não era Império do Brasil? – “Santa ignorância republicana”, diria a jovem princesa, se a nobreza fosse dada a comentar artigos de súditos insolentes. “Está tudo lá na Wikipedia”, ensinaria indulgentemente.
É real graças ao Principado de Orleans e Bragança. “Regularizado em 1909, reconhece os Orleans-Bragança como um ramo direto da Casa d'Orleans, e, por conseguinte, herdeiro ao trono francês”.
Hum, trono francês... Não sei, não, princesa. Pode não ser uma boa ideia. Sua Alteza sabe o que os parisienses fizeram com a última nobreza que passou por lá.
Melhor continuar na Ilha de Caras. Não é um Versailles, mas pelo menos a cabeça fica no lugar.
O que falta para salvar o Planeta
Um francês, um brasileiro e um americano estão se afogando e gritam por socorro. Qual dos três tem maiores possibilidades de ser acudido?
A julgar pelo pedido de socorro em cada idioma, é claro que o americano. O vocábulo tônico HELP, com vogal aberta, pode ser ouvido de longe e chama a atenção de qualquer um, bem ao estilo pragmático da língua inglesa. Ao brasileiro, resta a palavra SOCORRO, paroxítona, mais complicada de pronunciar quando se está com a vida por um fio. Por fim, o trissílabo oxítono AU SECOURS, do francês, praticamente o condena ao afogamento. É AU SE... glub glub.
Essa quase anedota me leva aonde quero chegar, que é a questão ecológica.
Por todo lado, cientistas, ongs e políticos apontam culpados: o gado, pelo aumento do buraco da camada de ozônio; a indústria, pela poluição dos rios; o desmatamento e a queima de combustíveis fósseis, pelo aumento das emissões de CO²...
Só não vi, até agora, ninguém reclamar do uso inadequado de palavras extensas e complicadas para tratar do assunto. Palavras que não possuem o senso de urgência necessário para lidar com uma crise de tais proporções. Desenvolvimento autosustentável (tem ideia de quantas árvores centenárias dá para se derrubar enquanto se pronuncia a expressão?); sustentabilidade; rastreabilidade; biodiversidade; gases do efeito estufa e por aí vai. Fico imaginando quantas resmas a mais de papel reciclado foram gastas na impressão dos documentos do COP 15 com tamanho palavrório.
Não basta controlar as emissões de CO²; temos que reduzir também as emissões de vogais e consoantes, que só servem para consumir celulose e um tempo de que o Planeta não dispõe.
Tivessem os EUA assinado o Tratado de Kioto, nós já estaríamos em outro patamar. Sim, porque, fale-se o que quiser dos americanos, para eles tempo é dinheiro e não o gastam com prolixidades. Dão logo um jeito de abreviar, a começar pelo próprio nome de seu país. Assim, o momento decisivo da II Guerra Mundial, marcado pela invasão da Normandia, virou “Dia D”; “operação” é “op”, “para o seu conhecimento”, “fyi”, “memorando” é “memo” e “tão logo seja possível”, “asap”. E quando não dá para abreviar, eles criam siglas: “modus operandi” é “m.o.”; “Brasil, Rússia, Índia e China”, “BRICS”; polícia federal, “FBI” e banco central, “FED”.
Precisamos do compromisso americano de redução substancial de suas emissões, assim como precisamos de sua capacidade insuperável de produzir siglas. ASAP.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Quando não há espaço para ambiguidades
A notícia não é nova e por pouco nem chega a ser notícia: Explosão de fábrica de fogos no ABC paulista mata duas pessoas.
Digo que quase não é notícia porque fogos são feitos para explodir. É da natureza deles. Assim como a água é feita para se infiltrar por onde encontrar menos resistência.
Juntem-se centenas, talvez milhares, desses fogos, de índole explosiva, em um ambiente fechado, acondicionados precariamente e temos o desastre anunciado.
Mas o que me chamou a atenção em toda a reportagem, talvez por hábito de ofício, foi a roupa que o dono da fábrica de fogos vestia ao se apresentar na delegacia. Ele usava uma camiseta vermelha onde se lia, em caixa alta, a expressão WIPE OUT que significa em inglês aniquilar, destruir, massacrar. Comparecer assim para um depoimento na polícia, para mim equivale a uma confissão de culpa, tenha ele ou não.
Quase não acreditei em tamanho fault pas. Tanto que corri para o dicionário. Lá encontrei um outro significado, que serve de atenuante: to wipe out, cair de uma prancha de surfe. De volta à camiseta agora tudo fazia sentido. Um desafio de surfe na praia Waimea, do Havaí.
Mas a ambiguidade ficou onde não deveria haver espaço para ela. É como se o governador Arruda, envolvido até as entranhas no mensalão do DEM, aparecesse na TV fazendo propaganda do sabão OMO e, ao final, com seu sorriso amarelo, dissesse: “Omo, porque se sujar faz bem.”